Em 1991, com a criação da Lei de Cotas para PCDs, o Brasil pôde dar mais um passo em direção à sociedade justa e igualitária que idealizou em sua Constituição. A nova legislação estabeleceu a obrigatoriedade de empresas com mais de cem funcionários reservarem parte de suas vagas para pessoas com deficiência, quebrando as barreiras da exclusão e da segregação.
Contudo, não são poucos, nem pequenos os desafios enfrentados pela Lei, ainda distante de um cenário social inclusivo.
Embora represente um avanço, suas ações não alcançam boa parte do corpo empresarial brasileiro e suas determinações são comumente descumpridas.
Segundo levantamento realizado pelo Ministério do Trabalho, o número de empresas notificadas pela inobservância da Lei cresceu 40% em 2015. Na comparação entre esse ano e 2010, o crescimento é de 248%. Ou seja, o descumprimento legal não pode ser justificado pela ausência de fiscalização, uma vez que ela se multiplicou nos últimos anos.
O volume de autuações aponta, isto sim, para a falta de empatia empresarial, que se cerca de argumentos pouco convincentes para manter uma prática excludente, tais como, alto custo para adaptar suas estruturas à acessibilidade e a falta de qualificação dos candidatos com deficiência.
É curioso que empresas queiram extrair sua força de trabalho das comunidades, mas sem contemplar TODA a comunidade.
É claro que é possível ver a situação sob uma perceptiva pouco abrangente e reducionista. Neste viés, um profissional com deficiência é uma despesa. No entanto, o olhar mais inteligente e produtivo para as empresas que querem navegar na onda do consumo atual é o do culto à diversidade e da inclusão, em que um profissional com deficiência é um investimento, principalmente para a cultura corporativa.
Vivemos em um país em que a população com deficiência ainda é bem maior que o número de vagas no mercado de trabalho. De acordo com o MTE, em 2014 havia 827 mil oportunidades de emprego para 9,3 milhões de PCDs entre 15 e 60 anos. Em 2016, apenas 418,5 mil PCDs estavam empregados com carteira assinada, alcançando somente a metade das 827 mil vagas estabelecidas pela Lei de Cotas.
Outro desafio da legislação é percorrer a distância entre o mero cumprimento de uma obrigação legal e a efetiva prática da inclusão. É possível observar no cotidiano empresarial o exercício de integração imposto às pessoas com deficiência, sendo integração um esforço unilateral – por parte da PCD – e inclusão, um esforço de ambas as partes, igualmente interessadas em promover a diversidade social no ambiente de trabalho, esta.
Desta forma, profissionais com deficiência são comumente absorvidos por empresas que não respeitam e não prezam por uma atuação inclusiva. Empresas estas que cumprem com a obrigação legal, mas são incapazes de compreender o que a Lei de Cotas representa e propõe, integrando estes profissionais a vagas inadequadas ao seu perfil, sob o comando de gestores pouco capacitados – e muitas vezes preconceituosos – e em espaços inacessíveis.
Exemplos assim demonstram a dificuldade da legislação vigente em alcançar efetividade. Do ponto de vista do desenvolvimento socioeconômico, não basta apenas empregar pessoas com deficiência. A era que a Lei de Costas contribui para criar, age para o bem-estar coletivo de forma inclusiva e representativa. Mais do que empregar, é preciso ofertar vagas executivas, plano de carreira, ambiente acessível e inclusão como cultura corporativa.
Por fim, um último desafio para a Lei é a revisão de seu texto, uma vez que ela poderia se voltar também para empresas de pequeno porte, com até cem funcionários. Aplicar sua força apenas nas grandes organizações é limitar as oportunidades de trabalho das pessoas com deficiência. Segundo pesquisa, em 2016, as 418 mil PCD trabalhando em grandes empresas equivaliam a apenas 0,9% do total dos profissionais com carteira assinada no país – aproximadamente 46 milhões de trabalhadores. Este dado demonstra como ainda é pouco significativa a participação destas pessoas na economia nacional.
Sendo assim, a Lei precisa pensar mecanismos para gerar inclusão social, garantido que o mercado de trabalho seja uma experiência justa e igualitária às pessoas com deficiência, mas também ampliar o escopo de seus dispositivos e obrigações, assegurando um volume maior de oportunidades de trabalho e uma participação economicamente ativa na rotina social.